Costumes

Benespera sendo uma terra muito antiga, naturalmente foi acumulando bastantes tradições. Muitas delas já se perderam, outras resistem ainda, mas caminham a passos largos para a sua extinção. É pois importante a recolha destas tradições.
Vamos tentar descrever algumas delas, segundo o calendário:

—  Janeiras
 

Grupos de rapazes cantavam à noite as “Janeiras”. Durante vários dias percorriam todas as casas da freguesia a pedir as Janeiras que normalmente eram constituídas por ofertas em dinheiro ou produtos alimentares. A recolha feita revertia a favor do grupo que se divertia imenso nesse convívio alegre e saudável.
Estas eram algumas das quadras cantadas nas “Janeiras”:

Ainda agora aqui cheguei
Já pus os pés nas escadas
Logo o meu coração disse:
- Aqui mora, gente honrada.

Aqui mora gente honrada
Assim era o meu destino
Venha-nos dar as Janeiras
Em louvor do Deus menino.

Levante-se minha Senhora
Desse banquinho de prata
Venha-nos dar as Janeiras
Que está um frio que mata.

Venha-nos dar as Janeiras
Se no-las houver de dar
Que nós somos de muito longe
Temos muito para andar.

Levante-se minha Senhora
Desse banquinho de cortiça
Venha-nos dar as Janeiras
A morcela ou a chouriça.

Quando os donos da casa não se resolviam abrir a porta o grupo cantava-lhe assim:

Cantamos e recantamos
E voltamos a cantar
Estes barbas de farelo
Não têm nada para dar.

 —  Carnaval ou Entrudo 
  

O Carnaval festeja-se dum modo muito simples, popular e muito divertido. Saíam à rua alguns figurantes mascarados com roupas muito velhas e rasgadas. Estes figurantes percorriam as ruas principais da freguesia, assustando com paus as pessoas que assistiam ao desfile. Muitos destes entrudos vinham acompanhados de burros e cumpriam o ritual das visitas às tabernas, onde naturalmente eram convidados a beber. Rebentavam-se as bombas de Carnaval que eram guardadas desde a festa do Santo Antão. Nessa festa a rapaziada percorria os campos onde caíam as canas não rebentadas dos foguetes.

—  Ladainha
 

Pela quaresma, a rapaziada da Benespera juntava-se, diariamente, na capela de S. Sebastião e dirigia-se para a Capela da Senhora dos Anjos, rezando a ladainha, numa manifestação curiosa e popular do fervor religioso existente na Benespera. Este grupo de rapazes tinha um regulamento interno que previa multas para quem faltasse às ladainhas.

—  Engraxar - Engraxar
 

Este costume do “engraxar, engraxar” era uma espécie de contracto entre duas crianças, feito com um gesto de dedos unidos, selado com esta cantilena:

“Engraxar, engraxar, quando te mandar rezar, reza.”

Depois de hora a hora, quando se encontravam, o 1º a ver o outro gritava “reza” e ganhava vantagem para obter as amêndoas, desde que o outro não estivesse debaixo de telha. O último a receber a ordem de “rezar” até Sábado de Aleluia ficava com a obrigação de comprar as amêndoas ao outro no dia da festa de Santo Antão.

—  As Alvíssaras
 

À meia noite de Sábado de Aleluia, os sinos das Igrejas e Capelas anunciavam a ressurreição de Jesus. À mesma hora a rapaziada cantava as alvíssaras de casa em casa.
Às 4 horas da manhã, no adro da igreja, de joelhos junto à porta principal rezava-se em louvor da Sagrada Ressurreição.
O canto entoado evoca a mãe de Jesus e outros Santos venerados na igreja.

Virgem, Mãe de deus, dos Anjos
Onde tendes a morada?
- Lá no cimo do lugar,
Numa capela caiada.

Virgem, Mãe de deus, dos Anjos
Onde creis que Vos encontre?
- Lá ao cimo do lugar
No carreirinho da fonte

Virgem, Mãe de deus, dos Anjos
Alvíssaras vimos pedir,
O vosso bendito filho
Já tornou a ressurgir!

Virgem, Mãe de deus, dos Anjos
Alvíssaras vimos tirar;
O vosso bendito filho
Já tornou a ressuscitar;


Por cima coberta de ouro,
Por baixo de prata fina
De roda cercada de anjos
Ó que linda companhia.

Senhor S. Sebastião,
Cavalheiro bom e forte,
A
companhai-nos na vida
E tão bem na morte.

Senhor S. Sebastião
Cavalheiro bom e que gesto
Toda a minha vida
Eu hei-de viver convosco

Divino Espírito Santo,
A pombinha quer fugir
Se fugir que vá embora
Que ela tornará a vir.

Divino Espírito Santo,
Divino Consolador,
Consolai a minha alma
Quando deste mundo for.

Vamos ver a casa santa
Onde os anjos têm morada
Onde está o cálice bento
E a hóstia consagrada.

Vamos ver a casa santa
Onde os anjos são croados
Onde está Nosso Senhor
Jesus Sacramento.

Vamos ver a casa santa
Onde os santinhos todos estão
Onde está Nosso Senhor
E o milagroso Santo Antão.

Já lá vem o Padre Eterno
Do seu divino palácio
Com a pombinha ao peito
É Jesus Cristo nos braços


Divino Espírito Santo
Sois Pai de Piedade,
Sois a terceira pessoa
Da Santíssima Trindade.

  Milagroso Santo Antão
Que tendes no campanário
Um galo preto romano
Que canta que é um regalo!

  Passarinhos que cantais
Na oliveira da esquina,
Cantai uma Avé Maria
À Senhora Santa Sabina.

  Passarinhos que cantais
Na oliveira do adro,
Cantai uma Avé-Maria
À Senhora do Rosário.

Passarinhos que cantais
Na oliveira de canto,
Cantai uma Avé-Maria
Ao Divino Espírito Santo!

Já lá vem amanhecendo
Já lá vem o claro dia.
Já lá vem Maria Rosa
Já lá vem Rosa Maria.

Caminhando vai José,
Caminhando vai Maria;
Caminhando vai de noite
Que de dia não podia.

Lá chegando a Belém,
Já toda a gente dormia;
O porteiro era ingrato
Abrir as portas não queria.

São José foi buscar lume
Enquanto amanhecia...
São José veio com o lume
E achou a Virgem parida


Passarinhos que cantais
Na oliveira maior,
Cantai uma Avé-Maria
Ao Divino Nosso Senhor!

  Saia o sacramento fora
A dar a volta à igreja;
Torne-se a ir a recolher
Onde toda a dente O veja.

  Saia o Sacramento fora
A dar a volta pelo adro;
Torne-se a ir a recolher
A caixinha do sacrário.

A procissão termina no alto da paróquia contornando a capela dedicada à Senhora dos Anjos. Quando a aurora rompia no horizonte todos dançavam.

—  Mês de Maria
 

No mês de Maio, à noite, rezava-se o terço na igreja de Santo Antão. Esta celebração revestia-se de um carácter solene e festivo. No final do terço, as raparigas dirigiam-se ao altar de Nossa Senhora de Fátima, entoavam cânticos apropriados e ofereciam flores.

—  Ceifas e Malhas
 

As ceifas eram uma actividade importante na Benespera pois o centeio era cultivado por toda a freguesia. As mulheres de foice em punho cortavam o centeio enquanto que os homens o atavam e carregavam para os carros de bois a fim de ser transportado para as eiras onde era malhado.
A malha era feita a mangual. Grupos de homens alinhavam-se habitualmente em grupos de oito de cada lado. Havia sempre o “Cavaleiro” que incitava os malhadores com palavras ditas em alta voz: “Mais à frente...atira” “Mais longe... atira”, “Mais alto... atira”...
Nas malhas havia sempre rancho melhorado.
No inicio dos anos 60 começaram a surgir as malhadeiras que vieram revolucionar esta actividade.

—  S. Martinho
 

No dia 11 de Novembro, dia de S. Martinho, havia uma rusga pela noite que terminava nos “copos”.
A rapaziada arranjava um palhaço de palha com uma botelha e uma vela lá dentro, munida de chocalhos, numa gritaria e num choro estridente pela morte de S. Martinho.
O cortejo dirigia-se finalmente para o sítio da “Latada” onde um figurante desempenhando a função de padre fazia o elogio fúnebre a S. Martinho que era seguido de uma choradeira por parte dos companheiros.
Procedia-se então ao funeral que consistia em queimar o palhaço e depois enterrar os restos nos olivais baldios.

—  Varejas
 

Nos meses de Dezembro e Janeiro faziam-se as varejas.
Como na Benespera havia muitos olivais vinham ranchos de pessoal, particularmente da Ramela, Aldeia Nova, João Antão e outras terras vizinhas.
Estas varejas terminavam com um convívio entre os intervenientes na vareja havendo rancho melhorado e vários jogos de animação.

—  Missa do Galo – Consoada – Madeiro
 

Na noite de consoada reúniam-se as famílias a fim de passar esta noite especial. Depois todos iam à “Missa do Galo” celebrada com muita solenidade.
Os rapazes queimavam o “Madeiro” até de madrugada junto ao chafariz da escola. A lenha era arranjada pelos rapazes. Umas vezes pediam a lenha aos donos outras vezes era roubada nas encostas da serra.
O carregamento da lenha durante a noite constituía sempre uma perigosa mas desejada aventura.

—  Matança do Porco
 

Entre o Natal e o Entrudo faziam-se as matanças.
Este acontecimento era sempre associada a uma reunião familiar em ambiente de festa.
A matança tinha um ritual curioso: apanhar o porco no cortelho, colocá-lo no banco comprido, queimar os pêlos com palha, fazer-lhe a barba, lavá-la com pedras, pesá-lo e comer o primeiro petisco.
As mulheres iam lavar as tripas à ribeira e faziam as morcelas. As chouriças e as farinheiras eram feitas mais tarde.
Havia um almoço e jantar melhorado, como nos dias de festa. Depois do jantar, seguia-se o serão onde a “sueca” tinha presença obrigatória para os homens.

—  Bailes
 

Os Bailes eram habitualmente abrilhantados por um acordeonista que dava uma volta ao povo para anunciar a realização do baile. À noite os rapazes organizadores do baile batiam às portas onde havia raparigas, a fim de pedirem autorização aos pais para que elas pudessem ir ao baile. Estes ou eram feitos na rua ou em casas particulares.

—  Acompanhamento fúnebre
 

Os acompanhamentos eram feitos nos cinco Domingos a seguir à morte da pessoa. Juntavam-se à porta da casa onde habitara o defunto e, em procissão percorriam o caminho em direcção à igreja rezando e parando nos locais chamados “Pousos” que eram os sítios onde os homens, que transportavam a urna no dia do funeral, paravam para descansar uma vez que esta era transportada à união.
Também era costume as famílias mais ricas oferecerem pão a todos os participantes dos acompanhamentos num gesto de partilha pelo acompanhamento na dor e na oração.